Na Tanzânia há macacos no caminho e camisolas azuis «à Sporting»

De Touriz a Dar es Salaam. Desiludido com as promessas do grupo de empresários que controla o Tourizense, Bernardo Tavares saiu, juntamente com o seu adjunto Joaquim Valinho, no início da época do clube da Série D Campeonato de Portugal. Ambos estiveram cinco dias desempregados, até que por intermédio de Eduardo Almeida – treinador do Angrense, que já trabalhou na Tanzânia – surgiu o convite para trocar a vida pacata na pequena aldeia no concelho de Tábua por uma metrópole de cerca de 4,5 milhões de habitantes.

Bernardo é agora treinador do African Lyon, recém-promovido à Ligi Kuu Bara, primeiro escalão do futebol tanzaniano. Apesar de jogar no imponente Estádio Nacional – «muitas vezes, jogamos para 60 mil cadeiras vazias», brinca o técnico –, o clube praticamente não tem adeptos e é um projeto pessoal de Rahim Kangezi, um empresário que esteve emigrado nos Estados Unidos e que vê no futebol uma oportunidade de negócio.

«O senhor Kangezi comprou o African Lyon e vê-o como uma plataforma para valorizar e vender jogadores aos clubes maiores de Dar es Salaam, como o Simba, o Young Africans e também o Azam. Esses são os três maiores clubes do país, em receitas, em adeptos, em títulos… A nossa realidade é diferente: lutamos pela permanência e temos uma equipa muito jovem – com uma média de idades entre os 21 ou 22 anos.»

O campeonato corre dentro das expetativas. Com 13 jornadas disputadas, o African Lyon soma 14 pontos e está no 10.º lugar entre 16 equipas.

Viagens de 24 horas e camisolas azuis «à Sporting»

Há no entanto particularidades estranhas a quem vive num país africano de grandes dimensões. As deslocações muitas vezes são longuíssimas, muitas vezes. «Por vezes, vou com o meu adjunto de avião e a equipa vai de autocarro. Mas na maioria das ocasiões viajo com a equipa. Vamos jogar a Arusha, por exemplo, junto à fronteira com o Quénia, perto do Parque Nacional do Serengueti e do Kilimanjaro. Fazemos viagens de 24 horas, mais de mil quilómetros, é uma aventura por estradas que parecem caminhos de cabras. Em determinadas zonas, parece que estamos num safari: vemos macacos e outros animais pelo caminho…», conta Bernardo Tavares, que está a gostar da experiência num país em que os adeptos têm uma paixão pelo futebol imune até a alguns equívocos. Tais como descobrir junto ao Uhuru, antigo estádio nacional, um fã local com uma camisola azul e branca «à FC Porto», mas com as riscas horizontais e o emblema do Sporting…

«É comum os bares estarem cheios para ver os jogos grandes da Premier League e gente nas ruas a vestir camisolas de clubes europeus, sobretudo ingleses, mas também do Cristiano Ronaldo ou da seleção de Portugal. No entanto, aquela que vi há algum tempo era ao mesmo tempo do FC Porto e do Sporting, o que me causou espanto, naturalmente. No final do treino, fui ter com o rapaz e disse-lhe: ‘Isso é o mesmo que teres uma camisola do Young Africans com o símbolo do Simba…’ Ele sorriu, sabia que era um clube de Portugal, mas pensava que a camisola era mesmo assim», conta o técnico de 36 anos, natural de Proença-a-Nova, que fora de Portugal já foi adjunto do Al-Hadd do Barhein, em 2013/14, e treinador principal no Al Nahda, de Omã, em 2014/15.

«Casa da Paz» e da tolerância religiosa 

Na Tanzânia sente-se mais em casa do que no Médio Oriente, confessa. «Eu e o meu adjunto vivemos num condomínio fechado, na zona nobre da cidade, o custo de vida não é elevado e temos paisagens paradisíacas bem perto, como Zanzibar. O único senão é o trânsito, que em Dar es Salaam é terrível. Tenho de sair de casa às 6 horas da manhã para começar o treino às 8 horas; um percurso que à noite faço em 15 minutos. De resto, este país impressionou-me desde logo pelo clima – choveu duas vezes desde que cheguei – mas sobretudo por ser muito pacífico. Não será por acaso que Dar es Salaam quer dizer «Casa da Paz». Na minha equipa temos jogadores muçulmanos, cristãos, hindus e gente de outras religiões. Todos rezam juntos antes e depois do treino. No Médio Oriente, não havia esta tolerância: tinha jogadores sunitas e xiitas que rezavam em locais separados e nunca em simultâneo.»

A paixão pelo jogo é também enorme no país. Na Tanzânia, porém, apesar dos «quatro ou cinco diários desportivos em suaíli e dois em inglês», o nível futebolístico está ainda distante de outros países africanos. A maioria dos jogadores da seleção atuam no campeonato nacional e o único jogador a atuar num campeonato europeu é o Mbwana Samatta, avançado de 23 do Genk, da Bélgica.

Amadorismo e futebol de bola no pé

Bernardo está há pouco tempo no país, mas já traça um perfil do futebol tanzaniano: «Aqui, qualquer pedra ou lata serve de bola para os miúdos, que jogam em campos de terra batida, assimétricos, na rua, na escola… Eles têm aqui jogadores com talento e muito espírito de sacrifício, mas falta-lhes cultura tática e isso nota-se a nível competitivo. A formação não é levada muito a sério; alguns jogadores só começam a jogar aos 20 anos. Além disso, só jogam só com a bola no pé, à sua maneira, sempre a tentar o um para um, como no futebol de rua.»

Em termos competitivos, há também algumas falhas organizativas a apontar. Inclusivamente, episódios que denotam algum amadorismo, como um que aconteceu na penúltima jornada, num jogo que o African Lyon até venceu o Mbeya City por 2-0, como recorda o técnico português: «Na véspera do jogo, que estava agendado para as 18 horas, informaram-nos que íamos jogar às 15 horas. Às 10h40 do próprio dia, ligaram para o clube a dizer que o jogo afinal tinha de ser às 14 horas por causa da transmissão televisiva.»

Apesar das falhas, Bernardo Tavares está a gostar da experiência na Tanzânia. Ainda assim, não esconde o objetivo de regressar a Portugal. «Gosto de estar aqui, mas também anseio em poder treinar num campeonato com outra visibilidade e que me dê outra projeção. Portugal é a minha casa e gostaria de voltar, mas não tenho empresário e isso dificulta-me a vida. Em Portugal, os clubes cada vez mais dependem de parcerias com empresários», conclui.

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