Como jogador, Bernardo Tavares começou no clube da sua terra, em Proença a Nova, onde nasceu o “bichinho” de treinador, tinha então 18 anos. Em Portugal, Bernardo Tavares integrou as equipas técnicas das camadas jovens e departamento de ‘scouting’ dos três “grandes” do futebol português, tendo chegado a ser treinador principal do Belenenses. Em Portugal orientou também as equipas do Carregado e Tourizense, tendo iniciado o seu percurso além-fronteiras com uma aventura no Bahrein. Fora do seu país esteve também em Omã, Tanzânia e Maldivas, até chegar o convite de Macau. O treinador português chegou ao território no início do ano para comandar o Benfica de Macau numa dupla vertente: defender o título de campeão e liderar o clube pela primeira vez na sua história na fase de grupos da Asian Football Confederation (AFC Cup).
– Como surgiu a oportunidade de vir treinar o Benfica de Macau?
Bernardo Tavares: Foi através da direcção do Benfica, especialmente o Duarte Alves, que me ligou a perguntar a disponibilidade e começou aí a conversação. O facto de participarem na AFC Cup, que é uma competição onde eu estive várias vezes, foi um chamariz para me fazer vir cá como motivação extra.
– Aceitou logo a proposta ou teve que ser ponderada?
B.T.: Não, tinha outras ofertas também, algumas delas financeiramente muito mais tentadoras. Aqui, vim mais pelas pessoas, pelo projecto em si e pela AFC Cup. É a primeira vez que Macau tem uma equipa na fase de grupos da AFC Cup, é um estímulo.
– Já tinha algum conhecimento do futebol de Macau?
B.T.: Quando houve esse interesse [do Benfica] procurei vídeos e inteirar-me sobre o futebol e a realidade com a qual me iria deparar. Mas uma coisa é falarem-me das condições de trabalho e treino diário, outra coisa é chegarmos aqui e encararmos a realidade. Por incrível que pareça, até em África tive melhores condições do que aqui. Isto não é uma desculpa, porque as outras equipas estão a competir nas mesmas condições. Seria importante pelo menos uma vez por semana cada clube ir treinar no relvado, ter um campo inteiro, senão como é que querem que as pessoas tenham condições para competir com outros países e outros clubes que treinam nas condições adequadas? Isto assim nunca vai progredir.
– Tinha uma ideia do que iria encontrar em Macau, acabou por corresponder ao que tinha pensado?
B.T.: Pensava eu que estava preparado, mas não estava. Por exemplo, quando treinei em Omã tinha um estádio para treinar e outro para jogar. Claro que sei para o que vim, agora a realidade depois de chegar aqui é completamente diferente. Estou a adaptar-me e agora motivadíssimo para ajudar os jogadores e a equipa a crescer. É muito complicado ir para uma competição onde nunca se fez um jogo, parece surreal.
– Chegou a pensar desistir, depois de ver as condições que teria para trabalhar?
B.T.: Os três primeiros dias foram complicados, mas depois pensei que enquanto cá estiver vou tentar fazer o meu melhor.
– Tinha algum conhecimento do plantel?
B.T.: Sim, conhecia o Lionel, que trabalhou comigo. Quando se colocou a hipótese de vir para cá, tentei ver que jogadores é que tinha, já conhecia alguns dos que vieram de Portugal.
– O Filipe Duarte é um dos jogadores com mais currículo do plantel, mas está lesionado. Conta com ele para este ano?
B.T.: Gostava que sim, mas vai ser muito difícil. Talvez em Junho, mas em Junho não terá ritmo. O Filipe seria uma mais-valia, não só para a competição interna, mas principalmente para a AFC Cup. É um central, contaria como [jogador] local, e numa prova internacional a experiência conta muito.
– Como decorreu a preparação para o arranque do campeonato?
B.T.: Estou a conhecer os jogadores, alguns deles trabalham. Tivemos o azar de, nas primeiras semanas, alguns não poderem treinar por motivos profissionais. Neste momento é o conhecimento individual, tentar ver as suas características, e depois criar um modelo que se adeqúe a potenciar as suas características e a equipa.
– Procuraram fazer alguns jogos amigáveis como preparação?
B.T.: Sim, mas não havia espaços. É complicado. Chegámos a treinar com quatro ou cinco jogadores, uns lesionados, outros porque estavam a trabalhar, acaba por ser um bocado difícil conciliar tudo. Depois acaba por ser uma experiência nova para mim porque nem todos os jogadores que eu tenho são profissionais.
– O plantel já está fechado ou ainda podem entrar ou sair jogadores?
B.T.: Sim, até ao final da primeira volta podem haver mexidas.
– Por vezes, quando entram num clube novo, os treinadores levam jogadores que conhecem. Existiu, ou existe, essa intenção este ano com o Benfica?
B.T.: É complicado, não só em termos monetários, mas também pelas infra-estruturas. Por vezes chegamos a acordo com um jogador, que depois se vai informar sobre as condições de trabalho, e é mais complicado. Neste momento está cá um jogador que trabalhou comigo na Tanzânia, o Tito Okello. Acho que não só para o Benfica como para o futebol de Macau, se nós queremos ter uma liga mais competitiva, e nas provas internacionais ter um pouco mais de querer e acreditar, temos que ter infra-estruturas para poder trabalhar. Enquanto não houver isso é um bocadinho dar o peixe e não dar a cana
– Que análise faz deste início de arranque de campeonato?
B.T.: Dá para ver claramente que a dificuldade principal é o terreno do treino porque em termos de ocupação racional de espaços noto os jogadores um pouco perdidos. Há três ou quatro equipas que vão lutar para não descer, a Alfândega e o Lai Chi, talvez o Hang Sai também. Depois há equipas como nós, o Ching Fung, CPK, Ka I e o Sporting que estão a lutar por algo mais.
– Quais são os objectivos do Benfica para este ano?
B.T.: Em competições internas é tentar ganhar tudo, em competições internacionais é tentar fazer o nosso melhor porque é completamente diferente jogar numa prova internacional, e eu nisso já tenho vários anos de experiência. Por muito que os jogadores digam que já têm não sei quantos anos a jogar em competições nacionais, quando ouvem o hino da AFC Cup muitos deles tremem. Os primeiros 20 minutos podem ser cruciais para nós porque há o nervosismo, e por muito que a gente tente criar mecanismos psicológicos para o combater isso acaba por pesar. E depois vamos apanhar equipas que têm orçamentos completamente diferentes dos nossos, condições de trabalho completamente diferentes das nossas, e têm experiência, e nós não. Esse é que é o grande desafio. Vamos tentar fazer o nosso melhor, e o nosso melhor é tentar pontuar. Vamos tentar, dentro das nossas possibilidades, ver os pontos débeis do adversário, os pontos mais fortes, ver a realidade dos nossos, e tentar criar uma ideia de jogo que nos possa permitir ter maior probabilidade de pontuar ou ganhar do que perder.
– Conhece os adversários que irá enfrentar?
– B.T.: Sim, já estou a trabalhar nisso.
– Em relação ao campeonato local quem acha que serão os maiores adversários do Benfica?
B.T.: Por aquilo que falo com os jogadores e outras pessoas da direcção será o CPK e o Ka I, talvez o Monte Carlo e o Ching Fung, penso que serão as equipas que terão teoricamente mais possibilidades de, juntamente connosco, competir internamente. Os adversários vão jogar contra o campeão, e de certeza absoluta que a atitude contra nós irá ser maior do que se calhar contra equipas do mesmo nível. Quando digo equipas do mesmo nível não quer dizer que a nossa seja muito superior, nada disso, humildade acima de tudo.
– Como analisa as condições que encontrou em Macau?
B.T.: Logo nos primeiros dias que aqui estive procurei conhecer as infra-estruturas, e pelo que parece há infra-estruturas que nós, e todos os outros clubes, poderíamos utilizar mas não estamos. Acho que poderia haver um pouco mais de gestão das infra-estruturas juntamente com os clubes. Se não podem dar o campo inteiro a uma equipa, pelo menos dividam, é completamente diferente treinar em meio campo do estádio do que estar a treinar onde estamos. Se querem potenciar os jogadores locais e a liga, têm que dar infra-estruturas, não é dar o peixe, têm que dar a cana.
– Como compara Macau a outros sítios onde trabalhou?
B.T.: Em termos de infra-estruturas infelizmente é o sítio que tem menos condições de trabalho em termos de treino. É um bocadinho triste ver uma região a ‘transpirar’ dinheiro e recursos, e depois em termos de logística ser para o futebol um país de terceiro mundo.
– E isso acaba também por influenciar a selecção de Macau…
B.T.: Claro. Escusam de querer dar o peixe, dêem a cana porque depois os clubes fazem o resto. Se fizessem um sintético de futebol de onze com dois campos de futebol de sete, mas um sintético como deve ser, já resolvia muito do treino. E depois têm campos relvados aqui, porque não deixar os clubes utilizar pelo menos uma vez por semana? Isto faz-me alguma confusão, nem há dilúvios nem há nada, acho que qualquer jardineiro consegue pôr um campo minimamente tratável para que as equipas o possam utilizar e treinar. Um jogador que jogue numa carpete nunca vai ser o mesmo depois a jogar num relvado, as condições físicas e o atrito são completamente diferentes. Estive nas Maldivas e também existe um pouco o problema que aqui há, mas eles fizeram sintéticos, e os clubes podem ir determinado número de vezes aos vários campos relvados, e acabam por minimizar o mesmo problema que aqui se passa.
– Outra coisa que se nota é que os estádios em Macau estão quase vazios durante os jogos. É muito diferente do que está habituado?
B.T.: É um bocadinho triste, o futebol é um desporto de massas. Na Tanzânia cheguei a ter 40 mil pessoas em jogos de campeonato, é completamente diferente.
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